Por Álvaro França dos Santos Júnior (07/03/2025)
Quem está conectado ao mercado de energia no dia a dia, acompanhou a polvorosa volatilidade dos preços da energia na virada do mês de fevereiro para março de 2025. Mesmo desconsiderando os erros apresentados na confecção dos decks dos modelos computacionais pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), tivemos um salto de mais de 200 R$/MWh no preço da energia, saindo de uma média de aproximadamente 90 R$/MWh, para 340 R$/MWh em uma única revisão. Mas, será que isso realmente faz sentido?
Não é de hoje que é sabido pelos profissionais do mercado, que a implantação do modelo Newave Híbrido (NWh) no início desse ano, angariaria situações de preços mais elevados em alguns momentos. Mas são raros os profissionais que conseguiram prever esse nível de escalada entre um mês e o seu subsequente, ainda mais considerando que alcançamos um dos maiores armazenamentos dos últimos anos no subsistema Sudeste/Centro-Oeste para esse período, e o mercado como um todo ainda pensa com a “cabeça” de um Newave (NW) não individualizado, que com níveis de armazenamentos tão altos, não seria difícil alcançar preços próximos ao piso regulatório deste ano.
Muitas são as justificativas apresentadas pelos órgãos oficiais. Fala-se sobre o encarecimento do parque térmico, tanto em horizonte conjuntural com a escalada do dólar, que baliza muitos dos combustíveis utilizados, quanto no horizonte estrutural, com a mudança recente aplicada ao modelo NWh que reajusta os CVUs estruturais das usinas termelétricas de acordo com o valor dos futuros de seus combustíveis. Fala-se também sobre o estrangulamento do intercâmbio das regiões Norte e Nordeste, que limita a transmissão da energia, principalmente de geração intermitente, para a região Sudestes/Centro-Oeste, e que acaba sofrendo o efeito do constrained-off. A Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) ainda apontou no Encontro PLD de 06/03/2025 que a região Sul apresenta níveis de reservatório próximos dos limites do Volume Mínimo Operativo para esse subsistema, de 30% para esse ano, e isso pode estar disparando cenários em que este volume é violado e a penalidade está reforçando os altos custos das revisões atuais. Eu mantive meu racional de que o custo futuro está mal precificado para a realidade do sistema. Cheguei a discutir com um colega de função recentemente sobre esse tema, e para garantir minha tese, resolvi fazer um teste simples, mas efetivo, da precificação do custo futuro calculada pelo modelo NWh.
No teste, executei duas instâncias do modelo NWh, considerando mesma tendência hidrológica, mesmo armazenamento inicial, e todos os demais dados de entrada iguais, exceto os valores do par de calibração do CVaR. Hoje, operamos com um par de alpha igual a 15 e lambda igual a 40, indicando uma penalização de 40% a mais em 15% das piores séries. Utilizei esses parâmetros, que são os oficiais, para a primeira instância executada. Os resultados podem ser vistos na Figura 1 abaixo.
Para a segunda instância, utilizei os parâmetros oficiais do ano passado, com um alpha igual a 25 e um lambda igual a 35. Os resultados também podem ser vistos na Figura 2 abaixo.
Com ambas as instâncias executadas, executei os mesmos casos de Decomp utilizando a função de custo futuro gerada por cada execução do NWh, mantendo as previsões de Energia Natural Afluente (ENA) e armazenamento inicial. Esse estudo foi feito utilizando como base a revisão zero de março de 2025, e os cenários hidrológico foram gerados seguindo os procedimentos do ONS, através do modelo de chuva-vazão SMAP, e dos modelos de precipitação indicados nas figuras.
Esquecendo um pouco os cenários de ENA e armazenamento inicial, por serem constantes em ambos os estudos, para fins de simplificação, a Figura 3 resume as diferenças entre uma execução e outra. Nota-se que não só os preços da energia, aqui representados pelo Preço de Liquidação das Diferenças (PLD), são muito distantes, com o caso 15×40 apresentando valores muito maiores, como os armazenamentos salvos ao final do período são apenas marginalmente maiores.
Como as capacidades de armazenamento de cada subsistema são muito diferentes, na Figura 4, resumi as médias dessas diferenças de armazenamento e preço, e converti os dados de armazenamento em MWmes. Em suma, basicamente, estamos pagando, em média, aproximadamente 245 R$/MWh a mais, para salvar, ao fim do mês, cerca de 900 MWmes. Isso, considerando que março ainda é um mês em que, historicamente, há potencial de chuvas que levam a aumento dos níveis de reservatório. Considerando períodos como o segundo e terceiro trimestre de cada ano, já considerado período seco na maioria das regiões, essa diferença seria ainda mais marginal, e provavelmente teríamos preços ainda maiores. Seria essa a aversão a risco pretendida pela extinta CPAMP, que em seu ciclo passado insistiu que a recalibração do CVaR visava, além de outros pontos, manter uma estabilidade entre os resultados das versões Híbrida e Agregada do modelo Newave? Realmente faz sentido, agora na visão de agente do mercado, assumir preços elevados para ganhos marginais de armazenamento que vão contra o conhecimento incremental de mais de 25 anos de mercado de energia?
E por falar em CPAMP, quem assumirá esse papel? Estamos a caminho do encerramento do primeiro trimestre do ano, sem um órgão ou comissão definido para assumir as responsabilidades da antiga CPAMP. Isso quer dizer que a ninguém podemos recorrer sobre esse caso, uma vez que a avaliação e recalibração do CVaR era de responsabilidade da CPAMP e não entra nos ritos comuns de alteração de parâmetros do modelo. Alterações essas que, nos últimos anos, têm sido feitas com critérios que nada envolvem de fato uma metodologia de aversão a risco (como a utilização da Curva Referencial de Armazenamento para a recalibração do CVaR, que na verdade foi criada para as decisões de despacho térmico fora da ordem de mérito pelo ONS, junto ao CMSE), que são constantemente criticadas pelos agentes, e foram igualmente ignoradas pela CPAMP, mesmo com os apontamentos de que os resultados não eram como os descritos pela Comissão. Foram-se 4 ou 5 ciclos de alterações em que os problemas de convergência do modelo Newave foram apontados como algo extremamente relevante para o resultado, e também plenamente ignorados pela Comissão, a ponto de, em dado momento, esse problema piorar e muito a previsibilidade dos agentes e do próprio ONS, e uma medida de emergência ser tomada, e em seguida revogada devido à proposta partir de um Comitê que não possui poderes regulamentados para exercer tal alteração. Enfim, a quem os agentes recorrerão? O ciclo de alterações e melhorias dos modelos computacionais se encerra, em teoria, em julho. Certamente esses problemas não serão resolvidos em três meses, mesmo que no melhor dos casos a “nova CPAMP” seja instituída ao fim de março. Ficaremos então mais um ano inteiro convivendo com este e vários outros problemas que a entrada forçada do NWh, e todas as demais metodologias recalibradas para isto, trouxe ao mercado?
Em suma, não só os agentes comercializadores de energia e seus profissionais de inteligência precisam lidar com a volatilidade inesperada de uma versão mal testada e mal calibrada do modelo Newave, mas você consumidor livre e consumidor varejista, serão obrigados a pagar preços mais altos de energia, mesmo em condições favoráveis de reservatório e meteorologia. Saúdo os profissionais de gestão de consumidores que conseguirem explicar aos seus clientes que boa parte do que foi dito sobre o mercado até então já não vale mais, e que os preços elevados por um mero acaso de calibração de uma metodologia de aversão a risco, é o novo normal.
Sobre o Autor: Álvaro é formado em engenharia elétrica com ênfase em sistemas de potência pela Universidade Federal Fluminense. Trabalha no setor de energia desde 2014 e é especializado na área de ciência de dados operando modelos de previsão de preço de energia.